2006-12-27

Do natal...

Coloca-se sempre um prato a mais na mesa da noite de Natal. Como se viesse, nesse dia, algum convidado especial e inesperado. Não sei de onde vem o costume lá de casa. Sempre foi assim. Sempre imaginei que o convidado especial fosse o meu avô materno ou a minha avó paterna. Não os conheci mas sinto que sempre convivi com eles. O meu avô morreu quando a minha mãe tinha sete anos e desde então a minha avó (a quem eu chamo de madrinha) suporta um peso violento de saudade. As referências ao Avô Armindo são frequentes e ainda que só o tenha olhado numa fotografia desfocada do casamento ele habita nos discursos emocionados da família. Às vezes também eu sinto saudades dele. A outra convidada poderia ser a minha Avó Amélia por quem o olhar do meu pai brilha. Só ela fazia as rabanadas com o molho especial daquele modo. Lembro-me dela, deitada na cama da casa da aldeia, doente. Muito doente. Lembro-me vagamente, com a memória que uma criança de três anos pode transportar. As vezes não sei me lembro de verdade ou se estou já sugestionada com a narrativa das memórias. Por vezes, experimento o sabor das rabanadas tragadas nos discursos paternos, por vezes ando a cavalo num colo desconhecido mas sobejamente proclamado.

2006-12-20

Nas malhas da formação


Encontro a história para a ilustração do Major Tom;
É a minha primeira publicação. Também é a inicial para o Major. Surge no âmbito de um convite para a revista da Reapn. Penso assim…

(…) Parece haver alguma regularidade entre altos níveis motivacionais e maior facilidade de formulação de planos e projectos. Penso que é a este nível que se pode colocar a seguinte hipótese: a frequência num dispositivo de formação é indutora, salvo melhor opinião, de altos níveis motivacionais, podendo contribuir para a possibilidade de inserção profissional, uma vez que são aprimoradas e desenvolvidas competências pessoais, sociais e profissionais que podem facilitar o processo de ingresso no mercado de trabalho. Num mercado globalizado e, por isso, cada vez mais exigente, os níveis de qualificação escolar e profissional são garantia de autonomia e liberdade.
Para a produção destes efeitos é, certamente, necessário que os indivíduos que frequentaram um dispositivo de educação e/ou formação, o tenham considerado como um processo significativo: “é sempre a pessoa que avalia a pertinência e a oportunidade da aprendizagem e decide se acciona ou não os mecanismos necessários para a aquisição de saberes” (Cavaco, 2002:113).
Do meu ponto de vista, a formação não pode ser vista como a panaceia para todos os problemas e dificuldades que tolhem Portugal. Convém que ela seja uma medida, entre outras, de promoção de igualdades e da equidade social.
Acredito, contudo, que “aquilo em que cada um se torna é atravessado pela presença de todos aqueles de que se recorda e que o processo de formação tem semelhanças com um processo de socialização” (Dominicé, 1988, Cit in Cavaco, 2002:93). Acredito também que os dispositivos de formação podem imputar vivências muito significativas e acredito que os adultos que o frequentam desfazem a malha das suas representações para tricotar uma nova malha de leitura do mundo.

2006-12-07

Apertos

Deixo-me ver o tempo passar. Atropelo-me e deixo um vestígio de dor por falta de escrita. Os pensamentos queimam-me e deito-me sobre eles com a violência do cansaço. Recuso-me a escrever rápido só porque quero este espaço activo. Mas ele é também um fiel depositário das mesclas de angústia e de júbilo. Deixei de registar apertos diários: a morte do Mário Cesariny, a pena capital da equipa das Tercigirls, a impiedosa chuva, as dores inexplicáveis de uma amiga, a falta de actualização do novo dicionário do meu afilhado, o hotel da Boavista fechado e sem amigos a jantar, a planta que morreu no dia em que ma ofertaram.
Este trilho excedeu, conjuntamente, em mim sentimentos inquietantes de sorrisos: a partilha do programa dos cães danados, o mar que vejo numa nesga da auto – estrada todos os dias quando vou para o trabalho, o desafio para a escrita do artigo, o jantar na Flor dos Congregados, a descoberta dos seis homens e três mulheres com quem partilho um gabinete em que chove, o fim de semana que se aproxima com as amigas de infância, o chá e abraços ao deitar e o tango. Vicio-me no deslizar de sapatos, na relação intimista de quem se descobre no chão.

2006-11-20

Chuva no Palácio


Fugimos de uma chuva violenta que determina uma corrida em sintonia nos paralelos da cidade. Hesito. Hesitamos. A mão segura obriga-me a esquecer os saltos e as calças de cetim molhadas. Vejo apenas as marcas de um Inverno que persiste em ser húmido. Fujamos. Contabilizamos escadas, a escadaria do Palácio. Na entrada a recepção de um silêncio elevado, próprio dos grande edifícios que resistem às marcas da intemporalidade, do vento e das asperezas dos relacionamentos. No salão árabe, há um piano sublime, cadeiras alinhadas e a sala farta de pessoas. De pessoas diferentes. Há velhinhas que parecem ter acabado de comer sopa e se enrolaram em colares de pérolas, há crianças que se enroscam em colos permissivos, há mochilas de turistas e há os mais bonitos casacos e penteados. E estamos nós. Atentos, encantados, curiosos. Estamos no Ciclo de Piano do Palácio da Bolsa. Há um piano e uma jovem pianista que se debate com ele. Numa dinâmica séria, arrojada, de medição de forças. E a menina frágil e tímida decide que o piano há-de trinar sons e mostrar devastadoramente a opulência daquele espaço. Como se tivesse deliberado transformar um comum dia útil na utilidade do meu dia.

2006-11-05

S. Jacinto


Vigio-te em movimentos suaves e na surdina melancólica da intimidade. Ouço-te respirar com a exactidão contada de instantes partilhados. Deitamo-nos, outra e outra vez, na areia. Despimos a máquina e despimo-nos para a objectiva. Desmesuradamente alienados da inquietação quotidiana. Montamos o tripé pela primeira vez. Sussurro, com carinho, com doçura quanto te gosto. Voltamos a molhar pés e mãos. Voltamos a secá-los e a enrolá-los na areia. Voltamo-nos para este tempo de Inverno, coberto de verão. Ainda há mosquitos. Na gestão da carreira pessoal, o que mais importa são os copos de sangria com que brindaremos a um novo ano.

2006-10-28

Na impossibilidade de adormecer…


Não adormeço. Ouço os barulhos da cidade: a recolha do lixo, um barulho longínquo que julgo, ainda, de algum movimento na VCI, gatos e cães em alvoroço. O prédio está em silêncio. A casa em silêncio. Apenas o meu coração me ensurdece. Continua agitado e impede que sinta como confortável a almofada, até o abraço feito almofada. Deixo o tempo passar e negoceio minutos que não dormirei e que se traduzirão, amanhã, em minutos de sofrimento por necessitar de estar acordada. Amanhã, forçar-me-ei desperta, atenta, disponível para a inevitabilidade da agenda. Hoje, continuo a pensar nos sapatos para dançar, na carta que não escrevi, do correio electrónico que não li, das mensagens que não enviei, nesta nova pastilha elástica que acabo de provar, na entrevista que mal preparei, nas milongas que irão chegar, nos gravadores de voz que não agradeci, nas amêijoas em Lagos e na ida, inevitável, aos balcões da Segurança Social.

2006-10-21

Privilégios

Apodera-se, tão violentamente, de mim uma sensação horrível. Quem dera seja passageira e que se decore com dias mais auspiciosos e brilhantes. A sensação é dura e faço questão de a embrulhar nas necessidades do quotidiano. Sinto, a cada dia que passa, que o trabalho que realizo, que defendi com uma vaidade singela, se oriente no sentido de não ser credível, de não ser entendido como necessário e rigoroso. Aquilo que é/foi uma metodologia arrojada, inovadora, diferente no contexto europeu pode não passar de mais uma medida política fascinada com a demonstração de números. Com a demonstração de números pouco tradutores da realidade. Como uma maquilhagem bonita que disfarça o marasmo, a fraqueza, a realidade. Sinto que me vendo, que me vendo ao fazer pequenas cedências, ao flexibilizar o meu comportamento profissional perante as indicações soberanas das chefias. Mas essa é a condição necessária para a minha própria sobrevivência. A condição para poder garantir o pagamento da renda, da luz, do gasóleo, … E é este confronto que me arruína. É a impotência. É a raiva feita desânimo e tristeza. E é a consciência das fracas alternativas e é, sobretudo, a sensação de, no panorama geral, ser uma privilegiada.

2006-10-13

Outras Verdades

Lembro-me de acreditar que o fim do mundo se situava na aldeia da minha avó. Fazíamos duas horas de viagem, entre curvas que serpenteavam o rio Tua, até chegarmos à povoação que não tinha saída. A estrada terminava ali. Lembro-me de ter isto como certo, como adquirido. Esta era a verdade. Impossível de refutar. Essa sensação, ingénua e infantil, transformou-se numa descoberta deliciosa: a de que havia outros caminhos, outras estradas sem saída, outros rios. E aquilo que foi uma decepção alarmante traduziu-se, mais tarde, numa nova concepção.
Actualmente, este confronto com novas concepções é, sempre, sentido como significativo. Por vezes, o grau de significância é acompanhado de uma sensação dolorosa de reajustamento, de quebra. Por vezes, é acompanhado de carícias intelectuais.
Uma verdade inconveniente, de Davis Guggennheim, volta a situar-me nesse fio subtil de confronto com uma dolorosa conjectura. Mas desta vez, não pressinto que dela advenha uma surpresa simpática. Gostaria de voltar a acreditar que o fim do mundo é só o final da estrada, o longínquo, a falta de telefone e muitas e maravilhosas oliveiras

2006-10-05

Letargia


Escolho posições. Moldo almofadas e fico em silêncio à espera. Só a visualizar o que fui, como me senti e sinto. A pensar em como os movimentos diários me derrotam o sono. Que tende, devagar, tão devagar a chegar. É quase sempre determinado em me levar ao cansaço, em me arruinar, em imprimir sensações de pouca disposição. Essa necessidade feita prazer faz-se difícil. E por isso, contabilizo, com tanta, ansiedade a entrada nessa letargia diária.

2006-10-01

Sensações de domingo


Nos últimos silêncios de domingo elaboro balanços e balancetes da semana. Da minha desnorteada viagem semanal em vestir e despir papéis. Como se abrisse e fechasse gavetas. Em cada uma delas há indumentária suficiente para mesclar tons de discurso e aguarelas de sentimentos. Na maioria das vezes há meias horas entre personagens a interpretar. Para alinhavar e não descoser as narrativas. Para me livrar das tantas frases e palavras que se arrumam, que se colam. Para arejar. Para poder ficar de novo disponível.
Nos últimos silêncios de domingo velo um sono profundo e silencioso. Descubro o anoitecer, acendo velas, queimo incenso e arrasto demoradamente, em tom de despedida, as janelas. Ainda sinto o cheiro a cevada, ainda me ocorre pensar em sair.
Nestes últimos instantes receio o tempo passar. Reclamo da inevitabilidade, reclamo com a agenda que me faz sinais demorados, da impressora que dá indicações de iniciar uma longa jornada de impressões.
Atrevida, desligo tudo. E, permito-me arrumar, em lugar desconhecido, a invenção das sensações de domingo.

2006-09-27

2006-09-23

Canto e lamentação na cidade ocupada


Com ternura, insone, canto.
Com simples flores de angústias,
canto.
Em termos de revolta, crise, sonho,
ergo, à mesa do café vazio e enorme,
meu sonho de viagem sem regresso.
Para enganar a solidão, o medo,
digo palavras, música, esperança.

Canto porque estou vivo e amarrado
à condição de ser fiel e agreste.
Porque em vão nos destroem a memória
com máquinas, rodízios, honorários.
(…)
Canto para saber que vale a pena
ter voz, músculos, nervos, coração.
À mesa do café, nas ruas, canto.
Nos jardins, nos estádios, sofro e canto.
No quarto abandonado, sonho e canto.
Nos pequenos cinemas, rio e canto.
Entre teus braços doces, choro e canto.

(Daniel Filipe, in A invenção do amor e outros poemas)

2006-09-21

Esta quinta...


Manhã cinzenta. O parapeito da janela da sala surpreende-me com água. Cortina e chão molhados. Cheiro, ainda, a laranja. Fecho a janela. Reclamo com a mancha no cortinado. Na rua os ramos caídos, as folhas em desalinho, a chuva pertinente no capuz impermeável.
Pernas ainda doridas de exercícios longos, persistentes e com caneleiras pesadas. Pés maçados dos sapatos que não servem para milongas. Caminhei rápido. Chovia, estava atrasada. A rotunda em alvoroço. Os semáforos que não abrem e as dez horas quase a chegar. Os cartazes de actividade cultural colados nos murais. Paro vezes sem conta a admirar, a ver as novidades. Reclamo do meu atraso, acelero novamente. Não me permito perder a aula de Balance. Lá dentro há velas pequenas e luminosas. Há silêncio e relaxamento. Estico-me. Dói-me o corpo. Dois minutos só para vocês, diz a Professora. E termina desafiando para nova actividade. Quando saio quase provoco um pequeno acidente. Quase que contribuo para uma queda. Há carros e chuva de novo. Voltei à rua e à dinâmica acelerada de um dia de semana.

2006-09-17

Na escrita...


Centro-me na importância da escrita. Nesta intimidade partilhada comigo própria. Não na escrita obrigatória, formatada por parâmetros claros e definidos. Escrevo sobre aquela escrita que me é fundamental para pensar, para organizar o que sinto, para destrinçar a filigrana de vivências, de sentidos, de inquietações e de interrogações. Centro-me nesses instantes solitários e estruturantes de organização da narrativa, de identificação de outras formas de pensar. Na recusa de alguns modelos e na escolha daquilo que não me parecia obvio. Centro-me na tarefa silenciosa de me conhecer.

2006-09-13

Talvez...

Acontecimentos significativos. O impacto do Reconhecimento e Certificação de Competências adquiridas ao longo da vida. Métodos e técnicas de investigação. Análise da realidade social. Histórias de vida. Investigação qualitativa em Educação. Competências. Análise de Conteúdo. Amostra representativa. Roteiro estruturante. Estudo de caso. Métodos biográficos. Follow – up.
Talvez por isso não tenha estado a olhar atentamente às coisas insignificantes. Talvez por isso os meus sonhos só se cruzem com papéis e livros e escrita obrigatória.
Talvez por isso acorde ansiosa. Talvez por isso me persiga a sensação de não conseguir estar, satisfatoriamente, com quem gosto.

2006-09-08

Resisto à chegada do Outono

Continuo a vestir vestidos, a usar sandálias e camisas de alças. A partir das 20h resisto a olhar pela janela. Pressinto que a cada instante irá ficar escuro, que as noites não serão quentes. Mas continuo com as janelas abertas com o argumento de que ainda é Setembro. Recuso-me pensar que terei que ligar o aquecedor e que irei sentir frio no pescoço, nos pés, nas mãos. Recuso-me a assumir que darei, novamente, vida a casacos e camisolas e botas e guarda – chuvas. Continuo a comer saladas e a beber muita água. Ainda me apetece planear um fim - de - semana na praia ou no rio. Ir à Barra ou à Praia do Camilo. Ir ao Carvoeiro. Fazer fotografias, espalhar protector solar, enrolar-me na areia, andar de bicicleta de noite, comer farturas nas festas, adormecer na praia,…

2006-09-07

Salta ao Muro

Talvez seja o restaurante / tasca onde mais gosto de comer. Vario pouco na ementa. Quase sempre Arieiros com batatas a murro e sangria tinta. Perto do Porto de Leixões, O Salta ao Muro, é uma pequena tasca com sabores apurados, com gente simpática e um ambiente muito informal. O Sr. Moreira recebe-nos e, enquanto esperamos, vai montando uma pequena mesa na rua para irmos petiscando presunto, broa e sangria. O nome deve-se ao facto de, há alguns anos atrás, haver uma escada que ligava o Porto de Leixões directamente ao quintal da casa. Os pescadores e trabalhadores locais só necessitavam de saltar o muro para se encontrarem dentro da habitação. Dentro, existem pouco mais de 7 mesas, com bancos corridos, com garrafões de vinho arrumados nas paredes, com presuntos pendurados e com uma selecção de fruta e de doces soberba. Penduramos os casacos e vamos metendo conversa, os senhores de fato sente-se à vontade para tirarem a gravata. A menina dos olhos azuis recebe os pedidos. É sangria, não é filha? O rapaz benfiquista, com quem temos longas conversas sobre a vida, as intermitências da vida, serve-nos o peixe, sem uma única espinha visível. Por vezes, a conversa perdura e acabamos por jantar ao mesmo tempo que o grupo de trabalho: o Sr. Moreira, a esposa (uma transmontana muito simpática), a menina dos olhos azuis, a irmã da menina e o benfiquista (primo das duas anteriores). Juntam-se ao grupo mais duas senhoras que saem da cozinha. Aconteceu várias vezes o nosso jantar demorar demasiado e terem fechado a porta da entrada. Por momentos parecia que fazíamos parte da família.
Essa escada já não existe, mas eu tenho sempre vontade de saltar o muro para a casa da Família Moreira.

2006-09-05

Ainda na Irlanda…



Pés assentes na terra do trabalho, da rotina, das tarefas, dos trabalhos para entregar…
Cabeça perdida no verde, no tanto tempo disponível, na procura, no silêncio, na partilha, na ausência de jornais e de noticias, nesse encanto de me encontrar com o novo.

2006-09-04

Vila Pouca de Aguiar


Regresso com curiosidade à minha terra, à minha região. Registo as novidades. Acomodo alterações. Esta Vila vai crescendo, ganhando forma de terra serena do interior, ganhando forma de vila que apela à fixação de pessoas, de empresas, de associações. Provavelmente, com maior e melhor qualidade de vida. Alteram-se praças dando lugar a novas e arejadas áreas pedonais. Altera-se, também, a mobilidade. As ruas são agora espaços muito diferentes e parece haver uma tentativa séria de proteger a zona central, que é também, a principal zona comercial. É frequente confrontar-me com alterações de sentidos de trânsito e por momentos sinto-me perdida. Tenho que parar para pensar qual será o melhor itinerário.
Integrado na sub-região do Alto Tâmega, o Concelho de Vila Pouca de Aguiar situa-se a norte do Distrito de Vila Real, entre as serras do Alvão e da Padrela. Durante o tempo em que vivi neste concelho confrontei-me diariamente com o peso da interioridade. Recordo-me da ansiedade com que recebia a Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian, das viagens intermináveis até ao Porto, do frio na Escola Primária, da falta de cinema, de teatro, … Ganhei outras coisas, é certo, que só a interioridade pode oferecer: liberdade para explorar o espaço que me rodeava.
Este fim – de – semana visitei-o. Acolhida em amizades sólidas, construídas nessa exploração do espaço, construídas no tempo e no acompanhamento dos momentos significativos, construídas devagar e sem pressa. E acolhida nessa rede, re –descrubo um novo concelho. Um concelho que tenta mostrar o património local e fazer dele uma garantia de sobrevivência. Algumas das principais alterações estão relacionadas com um investimento na rede comercial: clara aposta na comercialização de produtos da região como o granito, o mel, o cabrito, as cebolas e a castanha. Anualmente, realizam-se feiras que promovem estes produtos, e que trazem pessoas à região. Vila Pouca de Aguiar pode, agora, ser designada como a Capital do granito. O Parque Termal das Pedras Salgadas vai ser alvo de uma profunda remodelação. Há património arquitectónico e arqueológico classificado. Verifica-se, também, que proliferam Associações: de fotografia, de Caça e Pesca, de BTT, de cantares tradicionais. E há uma Casa da Cultura, antigo edifício da CP, que acolhe todas as Associações. Este sábado desafiaram-me para testar um dos percursos da Rede Municipal de Percursos de Vila Pouca de Aguiar que inclui 14 percursos pedestres de pequena rota (PR), um percurso pedestre de grande rota (GR), um percurso equestre (PE) e um percurso cicloturístico (PC), completando a mais extensa rede de trilhos sinalizados a nível nacional. À noite assisti a um concerto medieval no Castelo de Aguiar. Confesso que antes de adormecer não pude deixar de pensar, agora sob o olhar de Adulta, que deve ser bom morar numa terra assim.

2006-09-01

O Carteiro


Simpatizo com o carteiro! Habitualmente larga a sacola das cartas para me cumprimentar, para acenar, para sorrir. Quando nos encontramos na rua enumera as cartas que me irá deixar na caixa do correio. No nosso último encontro disse-me que tem estranhado a minha ausência, que agora já não me encontra quando toca à campainha, que até têm chegado umas cartas registadas com aviso de recepção e que eu não tenho estado. Sente-se preocupado com as longas filas de espera com que agora me deparo nas estações de correio. Todas as outras cartas, avisos, comunicados, encomendas esperaram. O saco das minhas compras, que trazia e que acabei por recolher no chão, esperou. O carteiro estava preocupado. Provavelmente o seu giro será alterado e ele terá que deixar a zona, as cartas terão que ser entregues por um colega. Como terá surgido este estado de graça, de empatia, de preocupação? Terá sido despoletado por uma entrega em que eu, sem alternativa, abri a porta ainda com o cabelo molhado e de toalha enrolada?
(fotografia apresentada no1º Concurso de Fotografia Anecdótica Galega)

2006-08-29

On the road...


Viajamos felizes. Na rádio, sempre, música tradicional irlandesa. Perdemos a conta do número de Kms percorridos nas estradas sinuosas, estreitas, vertiginosas e decoradas com mantos de verde, de cabras e de vacas. Em todo o país há aproximadamente 70 Kms de auto - estrada. Mas as estradas nacionais parecem cumprir o propósito de nos obrigar a viajar devagar e a olhar atentamente esta Irlanda. Cruzamo-nos com homens e mulheres simpáticos e amistosos rodeados de filhos. Bebés de grandes olhos azuis e de sardas elegantes a pintalgar sorrisos abertos. Descubro uma Irlanda rural. Assumida e orgulhosa. O dinheiro, proveniente de Fundos Comunitários, foi aplicado num investimento sério na tradição rural, na reformulação e ampliação de grandes áreas latifundiárias. As habitações foram, também, presenteadas com reconstruções e por todo o lado, em todas as colinas, há um Bed & Breakfast que acolhe, que recebe bem. Parece haver, sempre, uma mensagem que apela ao visitante a vir conhecer o País. Uma das principais companhias de aviação de Low – Coast, a Ryanair, encarrega-se de trazer turistas. Os castelos em ruínas, as ovelhas, os campos a perder de vista, o imaginário das lendas celtas e o acolhimento do povo com um pint de Guiness na mão encarregam-se de nos embebedar de desejos de regresso.

(fotografia do Matvei)

2006-08-18

Quem Morre?



Morre lentamente quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
Repetindo todos os dias os mesmos trajectos,
quem não muda de marca,
quem não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os “is”
em detrimento de um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos
dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permita pelo menos uma vez na vida fugir de conselhos sensatos.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se
da sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço maior que o simples facto de respirar.
Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.

Pablo Neruda

(Procuro evitar esta morte suave! Partimos amanhã para a Irlanda. Na mochila levo livros e na boca músicas gravadas em suporte emocional.)

2006-08-17

E o Dr disse...

O Dr. descalçou rapidamente as luvas com que tinha analisado o pé e disse: “é um eczema de contacto”. Sentença atribuída. Sem lugar a defesa. Estava dito. Levantei-me rapidamente. Calcei as sandálias e segui-o, rapidamente, consultório fora. Sim, rápido porque já tinha passado a hora de jantar. E o Dr. tinha olhar de cansado, com ânsias de se deitar, talvez na marquesa onde me tinha examinado. Teclou a receita, assinou-a. Reparei, pela primeira vez, que é esquerdino. Despediu-se muito educadamente e fechou a porta do consultório. Mas eu queria falar. Olha-lo nos olhos. Fazer justiça às duas horas que tinha estado à espera a ouvir as “conversas” dos Morangos com Açúcar, a ouvir os comentários atrevidos de um senhor à companheira (Sim, eu não preciso de incentivos, pois não?) a propósito do aumento do volume de compra de produtos nas SexShops. Queria fazer render os 70 Euros e já agora estar lá mais do que 10 minutos. Agora, resta-me investigar qual o sapato a expulsar!

2006-08-16

Antes de partir para a Irlanda…


A história parece repetir-se, ciclicamente. Como se fosse um novo filme. Alteram-se os cenários e os actores. Maquilha-se o argumento, de modo a permitir legitimar decisões, e o resultado parece ser em tudo idêntico: guerra, crueza, obscuridade, vidas estropiadas. A principal sensação, no final do Brisa de Mudança (no original, The wind that shakes the barley), foi a de sentir que acontecimentos passados nos anos vinte podem repetir-se. Repetem-se. Repetem-se, diariamente, enquanto como cereais. O filme retrata a luta pela independência na Irlanda do Norte. Retrata, especificamente, a alteração dos laços de uma rede familiar que parecia construída numa base de empatia e relação significativa. O cruzamento de convicções diferentes termina numa execução violenta e densa. Ontem encerrei o dia inebriada: pela fotografia belíssima e por uma densidade emocional que ainda estou a digerir.

2006-08-14

Como turista no Porto



Este fim–de–semana voltei a olhar a Porto sob o olhar atento de turista.
Vesti vestido, calcei sandálias e caminhamos longamente. Recebemos uma vista especial, de uma amiga especial, para esta caminhada. Subimos a Torre dos Clérigos, espreitamos a Livraria Lello, descemos à ribeira pelas ruelas de S. Bento da Vitória, bebemos refresco na Praça do Cubo. Pela primeira vez, subi no Funicular dos Guindais e assomamos rapidamente à Praça da Batalha. Visitamos a Igreja de S. Francisco, fomos Douro acima e passamos mesmo debaixo das pontes, das seis pontes que ligam o Porto e Vila Nova de Gaia, passeamos nos Jardins de Serralves e experimentamos fotografias na Casa da Música. O número de turistas é encantador. Ouvem-se línguas diferentes, as ruas adoptam densidade de cidade grande, os empregados de mesa da ribeira reclamam dos pedidos, os turistas trocam de mesa na esperança de serem atendidos, melhor atendidos, também. Mas esta é uma mera ilusão. Parece que a Ribeira sobrevive. Presta pouca atenção a quem os visita, a quem alimenta a continuação deste espaço. Não cuida, não acolhe. Os putos saltam da ponte D. Luiz e o povo pára para ver, reclamam celeridade e espectáculo no salto. Os turistas fotografam.
A noite, e ligeiramente fora do circuito turístico, foi muito agradável. O jantar, também com a presença da amiga mic`s, foi acolhedor e risonho. Pela noite dentro dois lugares de eleição, eleição subjectiva obviamente. O meu Mercedes é melhor que o teu e o Blá, Blá. Gosto da sensação de estar num sítio em que sinto que é, também, meu. E por isso, sentimo-nos à vontade para tirar os sapatos e dançarmos descalços. No Blá, Blá criou-se, então, um monte de sapatos e à volta dele dançamos como se este fosse uma fogueira de S. João.

2006-08-11

Tercigirls



Este ano, e ainda que não estejamos já no final dele, tem sido deveras estranho. Repleto de acontecimentos pouco satisfatórios e que apelou a um sentido feroz para não desarmar as barreiras da resistência. Talvez a principal e a mais dolorosa mudança esteja relacionada com a saída da equipa das Tercigirls. Continua a ser difícil, quase volvidos nove meses, não seguir caminho para a Rua do Rosário, não ir fazer compras à Tia Avelina e tomar café ao Avô Albino. Como se ainda não me tivesse desvinculado desse espaço construído por canecas de animais diferentes, por uma lata de rebuçados a servir de cofre, por músicas feitas à medida de acontecimentos diários, por almoços de partilha de conversas, de silêncios, de cenouras e queijo fresco.
Tolhe-me os sentidos não partilhar diariamente essa vida. E o sentimento de perda é acutilante e manifesta-se em olhos lacrimejantes, em silêncios perdidos e incontroláveis. O saldo desse percurso jamais o saberei contabilizar. Porque não sei contabilizar aquilo que gosto e quem se ama.

2006-08-10

Dafalgan




Sinto-me cansada de ter, sempre, dores de cabeça. É raro o dia em que não seja perturbada por uma leve ou uma intensa cefaleia. Sei já identificar os motivos: cansaço, falta de sono, sintomas das minhas amigas sinusite e rinite alérgica, reacções ao calor. E sei identificar os motivos através da zona onde esta se instala.
O mais comum é adormecer e acordar sem que a dor tenha passado. Lembro-me de ter dores de cabeça desde sempre. Mas estes últimos dias têm batido o meu recorde de tolerância. Caminhar, levantar-me, ir ao ginásio tornam-se tarefas dolorosas e insuportáveis. Sobrevivo a Dafalgan, que a amiga Mic`s me deu. Ontem, fiz questão de ir comprar uma caixa, só para mim! Sem me preocupar com a lista de contra - indicações e precauções. Desespero pela sua actuação rápida no SNC. Desespero pela acção analgésica.

2006-08-07

Sintra


Texto romântico escrito a verde.
Dormida sobre o Mar da Praia Grande.
Igrejas, palácios e quintas senhoriais.
Palácio da Pena, Palácio de Seteais, Quinta da Regaleira, Quinta de Monserrate.
Travesseiros e Queijadas na Piriquita.
Camarão e sangria no Búzio (Praia das Maçãs).
Cumplicidades construídas.

2006-08-03

Regresso à Padrela e ao Alvão.

Sou mimada com alheiras, carne assada, arroz de forno, pataniscas e muitos doces. Também me acolhem em colos descobertos e atentos. Com suspiros luminosos, com atenções delicadas. Os odores de festa são-me familiares. Cheira a vinho derramado nas canecas, ao forno de lenha na cozinha e às muitas conversas paralelas. Os pais Mouta brilham numa cumplicidade enternecedora. E eu brilho na paz de estar em casa.

2006-08-02

Rio Minho


Sábado de sol. Bacia hidrográfica do Rio Minho. Isto não é um passeio, dizia o Biólogo. Nem era uma aula, acrescento eu. A dinâmica parecia associar-se a algumas das minhas sessões com os Adultos. Sessões de Formação. Sessões de Educação e Formação de Adultos. O ponto de partida foi a bagagem de experiências que cada um de nós trazia. No barco de borracha um grupo de Adultos constituía-se como grupo de formação. Ou grupo familiar, se quisermos. No barco de borracha o Biólogo ia questionando sobre aquilo que sabíamos sobre o rio de Minho. Os mais velhos, fruto de um ensino primário com conteúdos diferentes dos actuais, iam respondendo ao “professor”. Com respostas mecânicas. Memorizadas numa rede de saberes que de imediato adquiriam, afinal, utilidade. Como se fizesse, agora sentido, saber onde nasce e desagua o rio.
Essa rede, a dos conteúdos escolarizados, memorizei e talvez os tenha esquecido com a força da não utilização. Mas, o sentimento da descoberta, da surpresa e da partilha não irei, certamente esquecer.
Não era de facto um passeio, nem era uma aula. Foi, talvez, uma sessão em que todos nos formamos. Restaria perceber qual o significado e a representação que cada um de nós elaborou desse dia.

2006-07-27

Peso da Régua - Barca D`Alva


A saída às 8h do Peso da Régua não faria adivinhar o sol que nos esperaria. A saída do Porto, uma hora e meia antes, também não faria determinar que nos esperaria um calor insuportável, doce e acolhedor até Barca D` Alva.
Sentei-me ao lado de pessoas que amo verdadeiramente e entrei naquela viagem. Conheço desde criança aquele percurso pelas loucas estradas municipais. Na altura valorizava-o muito pouco. Talvez porque era obrigada a parar vezes sem conta. O enjoo dominava todos os meus sentidos.
No fim – de - semana passado fui transportada para um Douro desconhecido, original e sereno. O barco foi caminhando levemente. Nas margens o terreno parece recortado, rendilhado por vinhas ou vinhedos. Alinhados. Certinhos. Como se com régua e esquadro tivessem sido desenhados.
Inevitavelmente apoderaram-se reminiscências da infância e de uma adultez quase inevitável e inesperada.

2006-07-25

Sítar

Não resisto à diferença de sabores, aos odores intensos de incenso, ao aveludado do peixe e aos pastéis de marisco.
Provo, reclamo do picante e inicio uma nova marcha na escalada da tolerância. Desperto sentidos e bebo manga feita refresco.
Absorvo cada migalha de pão entre conversa feita carícia. Os sons são, na maioria, leves e a luz adquire aquela tonalidade da intimidade partilhada. Ontem, foi assim. Único.

2006-07-24

Mel do Sol

O verão chegou trazendo a voz
da paixão que escorre mel do sol
e incendeia o nosso coração
menino
brincando na areia
que a paixão saiba cuidar de nós
passageiros como a luz do sol
que incendeia o nosso coração
menino
brincando na areia
madrepérola de cores vãs
no vitral insone das manhãs
que eu vi passar enquanto o sol
menino
brincava na areia
Que o verão saiba cuidar de nós
que você beba do mel do sol
e que a sombra que o verão trará
possa descansar seu corpo
menino
brincando na areia

(Oswaldo Montenegro)

Impossível não te associar a sol e mar! Parebéns, menino doce!

2006-07-21

Pronto! Já quero ir de férias.

Pronto! Já quero ir de férias.

Férias de verdade. Quero sentir que posso ir mas que tenho, depois, papéis para conferir, Portfólios para analisar, propostas de projectos para entregar, livros para ler, danças para experimentar, jantares para organizar… mas agora, já quero ir.

Preciso sentir que o único projecto do dia é dar corpo a um ócio malandro, a um desejo lento de falar, à tentação de ler e interpretar todos os mapas possíveis. Quero conduzir pela esquerda. Quero não perceber uma palavra do que me dizem. Quero acomodar a mochila e partir para o que me é novo, para o que é verde. Desejo a dor de pés e a cabeça arejada pela diferença.

2006-07-20

Variações no passo cinco


O desafio proposto por um amigo doce permitiu-me sentir, por instantes, que dominava a técnica de seguir o homem, de seguir os seus ombros como se fossem o único norte possível.

Redijo sobre a minha primeira aula de tango Redijo sobre a dinâmica de envolvimento e concentração que exige acertar passos, segundos decisivos para criar um quadrado bonito. Com variações no passo cinco. Experimentei com satisfação o passo base, o passo do tango milongueiro cortado e outras variações de que não me recordo do nome. Apenas do esquema, do qual não me consigo desligar. Persegue-me nas caminhadas do dia –a – dia. Cola-se à memória de trabalho enquanto conduzo, enquanto preparo os cerais da manhã e enquanto caminho de compartimento em compartimento.

Desenho quadrados imaginários para expiar esta vontade de iniciar passos no ar.

2006-07-19

Portfólio de Sentidos

Na escrita estruturo os sentidos do meu contexto, do ecossistema que me preenche de tantos incensos vividos.

Nesta escrita espero encontrar não mais do que um espaço individual de reflexão. Partilhada também, por certo, por aqueles a quem quero muito bem.

Sobre nada. Sobre aquilo que me é importante. Sobre as construções e quebra de construções do quotidiano. Sobre o meu planeta.

Será por certo insignificante aos olhares distantes. Será, sobretudo, significativo como uma elaboração de instantes. Como um diário de bordo. Como um Portfólio. Um Portfólio de sentidos.