2006-11-20

Chuva no Palácio


Fugimos de uma chuva violenta que determina uma corrida em sintonia nos paralelos da cidade. Hesito. Hesitamos. A mão segura obriga-me a esquecer os saltos e as calças de cetim molhadas. Vejo apenas as marcas de um Inverno que persiste em ser húmido. Fujamos. Contabilizamos escadas, a escadaria do Palácio. Na entrada a recepção de um silêncio elevado, próprio dos grande edifícios que resistem às marcas da intemporalidade, do vento e das asperezas dos relacionamentos. No salão árabe, há um piano sublime, cadeiras alinhadas e a sala farta de pessoas. De pessoas diferentes. Há velhinhas que parecem ter acabado de comer sopa e se enrolaram em colares de pérolas, há crianças que se enroscam em colos permissivos, há mochilas de turistas e há os mais bonitos casacos e penteados. E estamos nós. Atentos, encantados, curiosos. Estamos no Ciclo de Piano do Palácio da Bolsa. Há um piano e uma jovem pianista que se debate com ele. Numa dinâmica séria, arrojada, de medição de forças. E a menina frágil e tímida decide que o piano há-de trinar sons e mostrar devastadoramente a opulência daquele espaço. Como se tivesse deliberado transformar um comum dia útil na utilidade do meu dia.

2006-11-05

S. Jacinto


Vigio-te em movimentos suaves e na surdina melancólica da intimidade. Ouço-te respirar com a exactidão contada de instantes partilhados. Deitamo-nos, outra e outra vez, na areia. Despimos a máquina e despimo-nos para a objectiva. Desmesuradamente alienados da inquietação quotidiana. Montamos o tripé pela primeira vez. Sussurro, com carinho, com doçura quanto te gosto. Voltamos a molhar pés e mãos. Voltamos a secá-los e a enrolá-los na areia. Voltamo-nos para este tempo de Inverno, coberto de verão. Ainda há mosquitos. Na gestão da carreira pessoal, o que mais importa são os copos de sangria com que brindaremos a um novo ano.