Do natal...
Coloca-se sempre um prato a mais na mesa da noite de Natal. Como se viesse, nesse dia, algum convidado especial e inesperado. Não sei de onde vem o costume lá de casa. Sempre foi assim. Sempre imaginei que o convidado especial fosse o meu avô materno ou a minha avó paterna. Não os conheci mas sinto que sempre convivi com eles. O meu avô morreu quando a minha mãe tinha sete anos e desde então a minha avó (a quem eu chamo de madrinha) suporta um peso violento de saudade. As referências ao Avô Armindo são frequentes e ainda que só o tenha olhado numa fotografia desfocada do casamento ele habita nos discursos emocionados da família. Às vezes também eu sinto saudades dele. A outra convidada poderia ser a minha Avó Amélia por quem o olhar do meu pai brilha. Só ela fazia as rabanadas com o molho especial daquele modo. Lembro-me dela, deitada na cama da casa da aldeia, doente. Muito doente. Lembro-me vagamente, com a memória que uma criança de três anos pode transportar. As vezes não sei me lembro de verdade ou se estou já sugestionada com a narrativa das memórias. Por vezes, experimento o sabor das rabanadas tragadas nos discursos paternos, por vezes ando a cavalo num colo desconhecido mas sobejamente proclamado.
2 Comentários:
Não acredito na ausência de qualquer comentário. O texto é deveras bonito! Talvez demais. O mais bonito, diria.
Talvez, por isso, qualquer comentário seja excessivo.
Peço desculpa.
Ah!Tão bonito!!!!Fizeste-me recordar as mãos de papiro que me preparavam a cevada quentinha da mercearia da cidade, os ovos na frigideira negra de ferro, a bolacha araruta que teimávamos em colar no céu da boca... e suas histórias de embalar com aroma a cobertores, estendidos a "solhar" na varanda das manhãs.
Nota: "solhar" gíria regional, i.e. colocar ao sol
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