2006-12-27

Do natal...

Coloca-se sempre um prato a mais na mesa da noite de Natal. Como se viesse, nesse dia, algum convidado especial e inesperado. Não sei de onde vem o costume lá de casa. Sempre foi assim. Sempre imaginei que o convidado especial fosse o meu avô materno ou a minha avó paterna. Não os conheci mas sinto que sempre convivi com eles. O meu avô morreu quando a minha mãe tinha sete anos e desde então a minha avó (a quem eu chamo de madrinha) suporta um peso violento de saudade. As referências ao Avô Armindo são frequentes e ainda que só o tenha olhado numa fotografia desfocada do casamento ele habita nos discursos emocionados da família. Às vezes também eu sinto saudades dele. A outra convidada poderia ser a minha Avó Amélia por quem o olhar do meu pai brilha. Só ela fazia as rabanadas com o molho especial daquele modo. Lembro-me dela, deitada na cama da casa da aldeia, doente. Muito doente. Lembro-me vagamente, com a memória que uma criança de três anos pode transportar. As vezes não sei me lembro de verdade ou se estou já sugestionada com a narrativa das memórias. Por vezes, experimento o sabor das rabanadas tragadas nos discursos paternos, por vezes ando a cavalo num colo desconhecido mas sobejamente proclamado.

2006-12-20

Nas malhas da formação


Encontro a história para a ilustração do Major Tom;
É a minha primeira publicação. Também é a inicial para o Major. Surge no âmbito de um convite para a revista da Reapn. Penso assim…

(…) Parece haver alguma regularidade entre altos níveis motivacionais e maior facilidade de formulação de planos e projectos. Penso que é a este nível que se pode colocar a seguinte hipótese: a frequência num dispositivo de formação é indutora, salvo melhor opinião, de altos níveis motivacionais, podendo contribuir para a possibilidade de inserção profissional, uma vez que são aprimoradas e desenvolvidas competências pessoais, sociais e profissionais que podem facilitar o processo de ingresso no mercado de trabalho. Num mercado globalizado e, por isso, cada vez mais exigente, os níveis de qualificação escolar e profissional são garantia de autonomia e liberdade.
Para a produção destes efeitos é, certamente, necessário que os indivíduos que frequentaram um dispositivo de educação e/ou formação, o tenham considerado como um processo significativo: “é sempre a pessoa que avalia a pertinência e a oportunidade da aprendizagem e decide se acciona ou não os mecanismos necessários para a aquisição de saberes” (Cavaco, 2002:113).
Do meu ponto de vista, a formação não pode ser vista como a panaceia para todos os problemas e dificuldades que tolhem Portugal. Convém que ela seja uma medida, entre outras, de promoção de igualdades e da equidade social.
Acredito, contudo, que “aquilo em que cada um se torna é atravessado pela presença de todos aqueles de que se recorda e que o processo de formação tem semelhanças com um processo de socialização” (Dominicé, 1988, Cit in Cavaco, 2002:93). Acredito também que os dispositivos de formação podem imputar vivências muito significativas e acredito que os adultos que o frequentam desfazem a malha das suas representações para tricotar uma nova malha de leitura do mundo.

2006-12-07

Apertos

Deixo-me ver o tempo passar. Atropelo-me e deixo um vestígio de dor por falta de escrita. Os pensamentos queimam-me e deito-me sobre eles com a violência do cansaço. Recuso-me a escrever rápido só porque quero este espaço activo. Mas ele é também um fiel depositário das mesclas de angústia e de júbilo. Deixei de registar apertos diários: a morte do Mário Cesariny, a pena capital da equipa das Tercigirls, a impiedosa chuva, as dores inexplicáveis de uma amiga, a falta de actualização do novo dicionário do meu afilhado, o hotel da Boavista fechado e sem amigos a jantar, a planta que morreu no dia em que ma ofertaram.
Este trilho excedeu, conjuntamente, em mim sentimentos inquietantes de sorrisos: a partilha do programa dos cães danados, o mar que vejo numa nesga da auto – estrada todos os dias quando vou para o trabalho, o desafio para a escrita do artigo, o jantar na Flor dos Congregados, a descoberta dos seis homens e três mulheres com quem partilho um gabinete em que chove, o fim de semana que se aproxima com as amigas de infância, o chá e abraços ao deitar e o tango. Vicio-me no deslizar de sapatos, na relação intimista de quem se descobre no chão.