2016-04-20

Pó de carvão

Como me cubro? Como enfrento a rua? É só avançar até a padaria! Espero... Não paragens, comentários, silêncios e bocas em suspiro.
Suspiro-te com raiva... por cá fiquei, e tu no elevador cavernoso. Só, e ainda, frio.
A neve a chegar e, quando vier, como acenderei a estufa? Como buscarei lenha? Como  acenderei o fogão para aquecer água? Ainda a água a ferver. A mesma água que é preciso levar para a banheira do pequeno. Como me cubro em noite fria? A sirene volta a tocar e chama outros homens. Persistente, mordaz, insatisfeita. E tu, num elevador. Enjaulado, animalizado.
É só subir, subir até a padaria.
Seria só subir até a superfície, para respirares. Eu, cá estaria com água quente no fogão. Aqueci-a com a lenha que trouxe do monte dos castanheiros. Não sozinha. O pequeno comigo, no peito com o lenço de flanela.
Aqui estaria para te refrescar do carvão. E, com esse pó me cobriria na felicidade de te cuidar.

Dou-te os meus pés


Dou-te os meus pés.
E com eles descreverás adornos, e ganchos, e contornos. Irás circunscrever,  com batidas mais ou menos fortes,  os teus rodeios e neles acharei formas novas de me movimentar, de existir, de me relacionar.
Dos meus pés, aceita essa bússola em como te seguirei e em como estarei alinhada. Conectada. Colada, a ler o teu corpo e a tuas indicações. Do que dizem quando a "posição do ombro", da mão fechada sobre a minha, da presença da mão aberta nas minhas costas. E a minha mão, também a segurar-te, enquanto me seguro a ti e te dou em absoluto a minha presença silenciosa e alerta. Consciente.
Dos teus pés, sinto que preciso travar esse ímpeto de querer ser eu a indicar caminho. E assim,
Dou-te os pés para que, com eles, possas coreografar novos arranjos de movimentos e aprimorar o meu sentido de entrega.

Créditos: E. Jasmim


Tábua rasa


Sufoco, se não a encontra. Se não se encontram.
Fará tábua rasa de todas as historietas com as  outra mulheres. Que teve, em lençóis de linho.
E de novo, com ela, na rua da picaria...
Em mesa de pinho e em tábuas com odores intensos de ruralidade, esse reencontro tão líquido e em liberdade. Depois da apresentação dos queijos, do presunto e do vinho,  vertem o que viveram no hiato entre eles.
E se demorarão a ver o queijo a ser fatiado e o requeijão a ser embalado. Terapeuticamente. E pensam em como curar-se, lentamente e demoradamente.