Na impossibilidade de adormecer…

Portfólio de sentidos
Nos últimos silêncios de domingo elaboro balanços e balancetes da semana. Da minha desnorteada viagem semanal em vestir e despir papéis. Como se abrisse e fechasse gavetas. Em cada uma delas há indumentária suficiente para mesclar tons de discurso e aguarelas de sentimentos. Na maioria das vezes há meias horas entre personagens a interpretar. Para alinhavar e não descoser as narrativas. Para me livrar das tantas frases e palavras que se arrumam, que se colam. Para arejar. Para poder ficar de novo disponível.
Nos últimos silêncios de domingo velo um sono profundo e silencioso. Descubro o anoitecer, acendo velas, queimo incenso e arrasto demoradamente, em tom de despedida, as janelas. Ainda sinto o cheiro a cevada, ainda me ocorre pensar em sair.
Nestes últimos instantes receio o tempo passar. Reclamo da inevitabilidade, reclamo com a agenda que me faz sinais demorados, da impressora que dá indicações de iniciar uma longa jornada de impressões.
Atrevida, desligo tudo. E, permito-me arrumar, em lugar desconhecido, a invenção das sensações de domingo.