Imaginou-se a entrar na igreja da padroeira, vestida de branco. Como presente, na entrada concretizada em direção ao altar, o rapaz de boas famílias. E nela só essa redenção da aliança, do marido impecável e dos filhos que cuidaria. Filhos em escadinha. Vestidos de igual.
Sentia já o odor da carne a assar no forno, nas manhãs de domingo que chegariam. A folha de louro, o azeite da aldeia, a carne Barrosã. A mesa com toalha de linho. Ervilhas de quebrar arranjadas para acompanhar. Limonada com hortelã.
Com o rapaz, novos hábitos. Com o rapaz, esse sonho da perfeição. Tudo imaculado. Santos centenários com roupinha de cambraia, quadros a óleo alinhados em galeria e a as gavetas com tesouros trazidos da casa da aldeia: a concha de prata e o vestido para o batismo, os lençóis pequeninos bordados com o monograma da família. O entusiasmo da primeira ida à igreja. O prazer de irem com as crianças comungar. Cabelo perfeitamente alinhado. Só rapazes. Sempre de calções, independente da estação do ano. As vizinhas do prédio dos pais a comungarem também da procissão dessa ascenção. Maravilhados.
Mas depois, a cronometragem dos dias. Esse compasso que molesta.
Há agora sempre um andamento cadenciado que explode o coração. Uma cronometragem de medo e de frustração, e de tanta raiva e desespero. Há uma pauta a ditar a corrida que se pretende ágil e arrumada , aprumada e delicada. Mas só caos e desordem!
À noite, o som dos dentes a ranger e os dentes a partir, a fissurar. Segue-se o som do despertar, que se quer rápido. Os lanches na lancheira, as mochilas, os casacos, o leite a aquecer, os cereais já espalhados. Fica a desordem no imperativo de ligar o carro, apertar cintos, parar carro, desapertar os cintos, transportar mochilas, beijinhos, ligar o carro, acelerar sem memória do caminho percorrido, parar. O confronto com a falta de casaco, da lancheira. A culpa: do beijo a correr, da ansiedade que se alicerçou, da merda do caminho e da multa para pagar.
Há a cabeça em dor e aos trambolhões, o ruído permanente das caixas de legos a serem viradas, enquanto ela própria se vira do avesso e não se reconhece. O medo da janela entreaberta. O cabelo por lavar, as unhas por arranjar, as sacas de compras para carregar.
O medo, porque a janela pode estar entreaberta. A raiva da roupa que cheira a vomitado e que se acumula no cesto. A frustração. O cabelo por lavar, as unhas só cortadas, não arranjadas. Tão diferente do caminho que a levou ao altar.
Aos domingos, o cheiro a assado enjoa-a e as ervilhas para arranjar enervam-na. E já é hora de vestir, porque a porra da missa urge e todos esperam a procissão.
Agora, enquanto sobe em direção ao altar para comungar, confessa-se à padroeira daquilo que sente como erro e do engano na promessa concedida.