2007-02-14

nevoeiro

O nevoeiro humedece-me as recordações. Transpiro-as numa condução longa, cinzenta e dolorosa. Apoderam-se de mim imagens antigas e tormentosas de saudade. Sinto, ainda, o cheiro dos colares e das coroas de malmequeres que enfiávamos sem pressa, nas sempre longas tardes da infância. Provo agora, e outra vez, o sabor dos elixires de morango que vinham de um país longínquo e que eram desconhecidos nas mercearias da minha terra. Trago-te o riso da altura e o pesar do presente. Sorvo os encantos de uma amizade construída com os centímetros que íamos crescendo ano a ano. E em cada descida de rua, cruzo-me com as imagens de uma mãe desgastada e de uma tia culpabilizada e invejosa da morte. Em cada descida de rua, da nossa rua, há artérias afectivas que pululam, há o rigor e a aspereza da dor. É-me insuportável estimar a rugosidade de uma tarde quente em que tudo se confinou a um silêncio insuportável. Hoje, encerro um sentimento de inquietude e de inconformismo relativamente às conversas por terminar e aos tantos planos por desenhar. Hoje, remato o dia pensando nesse sorriso, nos copos de leite que acompanhavam o almoço, nas experiências aterradoras com os perfumes, nas protecções amarelas das orelhas, nos jogos de elástico e nos postais que trocávamos, durante as férias de Verão, falando das estratégias para conquistar os rapazes. Agora, receio perder as pontas da memória e temo não conseguir conservar os pormenores do teu rosto.

5 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Desejo muito converter-me nessa gota, talvez na mais pequena das gotas, de nevoeiro. Não me vejo (ou sinto), há muito tempo, ser sorvida por devaneios que a mais ninguém interessam a não ser aos que brincam com os abraços e adormeçem com as vontades.
Boa noite, minha pequena pricesa.
O teu reino é tão transparente que quase doi imaginá-lo.
Beijos.

11:45 da tarde  
Blogger Unknown disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

5:32 da tarde  
Blogger Unknown disse...

O nevoeiro…concretizar o abstracto dos sentimentos. Partilho a alegria do passado, da rua que vimos crescer, que nos deu os centímetros que hoje lhe faltam. Vejo a mesma mãe, talvez a mesma tia e o céu azul no dia da perda. Os copos de leite, a subserviência ao longínquo, a luta contra a monotonia numa invenção constante de novas brincadeiras. Recordo o respirar ofegante dos segundos que passavam e a água de duvidosa qualidade que nos escorria pela cara. Hoje todas estas verdades estão muito claras, resta o nevoeiro dos novos tempos. A conversa silenciosa. O faz de conta que tanto significado teve não faz sentido no agora. Recordo com pesar as contas voltadas, o olhar pousado na novidade e lamento este terrível nevoeiro que teima em não me abandonar…

5:36 da tarde  
Blogger Unknown disse...

Vou divulgar o teu blog, conheço alguns que terão prazer em matar saudades de ti e da tua escrita. Um beijo grande.

5:46 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Um lamúrio das nuvens.... De repente, conseguiste com que também fosse o meu! Agradeço-te a partilha serena.

1:17 da manhã  

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